sábado, 12 de agosto de 2017

Você pode permanecer na casa do Pai, mas não necessariamente estar com Ele


Parece contraditório? Deixe-me explicar. Recentemente li um livro chamado "O Deus Pródigo", de Timothy Keller que, em conjunto com "Por que você não quer mais ir à igreja", de Wayne Jacobsen e Dave Coleman, além de "O Dom Supremo", de Henry Drummond, contribuíram para o meu entendimento sobre a Bíblia e, sobretudo, sobre o verdadeiro amor de Deus.

Abaixo, farei um breve resumo dos principais pontos de cada obra.
      "Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância." João 10:10b                   
Mas muitos cristãos, a despeito do tempo de fé e de serem tão ativos na igreja, se sentem vazios. As suas experiências espirituais dão importância às coisas erradas e acabam sendo afastados da verdadeira vida, como aconteceu na igreja de Éfeso. A teologia daquela da igreja de Éfeso era impecável. Conheciam a verdade com tal precisão que eram capazes de identificar o erro como uma mosca na tigela. Mas Jesus não estava satisfeito com ela. Por quê? Tinham abandonado o amor inicial.

Na verdade, a missão de Jesus sempre foi nos convidar para o amor, para a relação com Deus Pai. Mas o que fizemos? Transformamos a mensagem fundamental de amor em uma instituição, em poder, em trabalho, em culpa, em conformismo e manipulação.

Quando o Cristianismo surgiu no mundo, não era considerada religião. Os primeiros cristãos foram considerados ateus porque não tinham templo, não havia sacerdotes, tampouco sacrifícios. Jesus em pessoa era o templo que colocaria fim a todos os templos, o sacerdote que findaria todos os sacerdotes, e o sacrifício que substituiria todos os sacrifícios. Para os seguidores de Jesus isto era maravilhoso, porque não precisariam pensar num Deus que estaria encerrado no recesso do templo e apenas disponível para pessoas especiais em ocasiões especiais.

Existem mais de 30.000 denominações cristãs no mundo. Mas de que lado Jesus está? Na trilogia O senhor dos anéis os hobbits perguntam ao ancião Barbárvore de que lado ele está e ouvem esta resposta: "Não estou totalmente do lado de ninguém, porque ninguém está totalmente do meu lado (...) E há algumas coisas, é claro, de cujo lado eu absolutamente não estou."

O plano de Deus sempre foi pensado para trazer as pessoas à relação de amor que o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm compartilhado ao longo da eternidade. Os ensinamentos de Jesus atraíam as pessoas não religiosas enquanto ofendiam as pessoas que criam na Bíblia, os religiosos da época. Os tipos de excluídos que Jesus atraía não são atraídos pelas igrejas contemporâneas, mesmo as mais progressistas.

Ora, se as pregações dos ministros não têm o mesmo efeito sobre as pessoas que jesus tinha, então provavelmente não estão proclamando a mesma mensagem de Jesus. É possível alguém  se concentrar de tal maneira no trabalho para Jesus que acaba perdendo de vista quem ele realmente é.

"Um homem tinha dois filhos..." Assim Jesus dá início a uma das mais conhecidas parábolas do Cristianismo. O mais curioso é que em todas as mensagens que ouvi tendo como base Lucas 15:11-32, o foco se dá no filho mais novo que exigiu a sua parte na herança, estando o pai ainda vivo. O filho mais novo partiu para uma terra longínqua e lá desperdiçou tudo o que tinha. Depois caiu em si, se arrependeu, retornou à casa do pai e foi recebido com festa. O irmão mais velho ficou tão irado que não quis participar do banquete. O texto termina assim: "E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado."

Mas por que Jesus termina a história desta forma? É porque o verdadeiro público dessa história eram os fariseus, os irmãos mais velhos. Ele redefine o pecado, o que significa estar perdido e o que significa estar salvo.

Jesus usa o filho mais novo e o mais velho para retratar dois caminhos básicos pelos quais as pessoas tentam encontrar a felicidade e a realização: o caminho da conformidade moral e o caminho do autoconhecimento. Ambos são maneiras que usamos para encontrar nosso valor e nosso significado, para lidar com os males do mundo e para separar o certo do errado.

O filho mais velho ilustra o caminho da conformidade moral. Segundo esse ponto de vista, só conseguimos ser bem-sucedidos na felicidade, e o mundo conseguirá ser feito correto por meio da retidão moral. Mesmo ao falhar, devemos tentar manter a dignidade.

O filho mais novo ilustra o caminho do autoconhecimento. Esse paradigma sustenta que as pessoas devem ser livres para perseguir seus próprios conhecimentos e para buscar a autorrealização, independentemente dos costumes e das convenções. Segundo esse ponto de vista, o mundo seria um lugar muito melhor se a tradição, o preconceito, a autoridade hierárquica e outras barreiras à liberdade pessoal fossem diminuídas ou removidas.

No entanto, a mensagem da parábola de Jesus é que ambas as abordagens estão erradas porque os dois filhos estão perdidos. Na verdade, alguém poderia dizer que existe até uma certa incongruência na parábola, uma vez que o filho mau participa do banquete do pai, mas o filho bom não o acompanha. Ou seja, o amante das meretrizes é salvo, mas o homem da retidão moral continua perdido.

Tristemente, não são os pecados que criam a barreira entre ele e o pai, mas o orgulho que sente do seu histórico moral; não são as transgressões, mas sua retidão que o impede de partilhar o banquete do pai. A obediência zelosa à lei de Deus pode servir como meio de rebeldia contra Deus.

O filho mais novo, arrependido, chegou ao pai até com um discurso ensaiado: "Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores." Entretanto,  não é o arrependimento que causa o amor do pai, mas o contrário. A afeição gratuita do pai torna a expressão do remorso do filho ainda mais fácil.

Não há mal que o amor do pai não possa perdoar e compensar, não há pecado que seja páreo para a graça dEle. O amor e o acolhimento do Pai são absolutamente gratuitos. 

É por isso que a morte de Jesus é tão ameaçadora para quem foi criado com a ideia da obrigação religiosa. Se você não aguenta mais as regras e entende que elas não são capazes de abrir as portas para a relação que seu coração anseia, a cruz é a maior de todas as novidades.

Já o filho mais velho, por observar todas as leis morais, acreditava que tinha direitos. Ele não acreditava que podia ser amado sem fazer nada para merecer isso.

Não é raro incorrermos no mesmo erro. Esquivarmo-nos de Jesus como o Salvador ao observar todas as leis morais. Quando seguimos tal caminho, entendemos que temos "direitos". Deus deve a nós a resposta às nossas orações, e uma boa vida, e um ingresso para o céu quando morrermos. Não precisamos de um Salvador que nos perdoe por meio da livre graça, porque somos o nosso próprio Salvador.

Tendemos a pensar nossas vidas como uma escolha entre fazer o mal e fazer o bem. O Apóstolo Paulo via dois modos distintos de exercer o bem:  um nos faz dar duro para nos submetermos às leis de Deus. E falha sempre. Mesmo quando se descrevia como um seguidor de todas as leis de Deus externamente, ele também se considerava o mais terrível pecador vivo por causa do ódio e da ira em seu coração. O outro modo é conhecer melhor a Deus, confiar no Seu amor. Quanto mais confiarmos no Seu amor, mais liberto seremos dos desejos que nos consomem. É só confiando em Jesus que alguém pode vivenciar a autêntica liberdade.
Não conquistamos o amor de Deus vivendo de acordo com Seus padrões. Encontramos Seu amor nos lugares mais inusitados. À medida que permitirmos que Ele nos ame e entendermos como retribuir Seu amor, veremos que nossas vidas se transformarão nessa relação.
Na parábola, Jesus nos mostra que um homem que quase nunca violou a lista de maus comportamentos morais pode estar tão perdido espiritualmente quanto o mais devasso e imoral dos homens, porque o pecado consiste não apenas em quebrar as regras, mas também em se colocar no lugar de Deus, como Salvador, Senhor e Juiz.                                                                              

A principal mensagem da parábola é que, enquanto o filho mais novo sabia que estava alienado do pai, o filho mais velho não sabia. E é por isso que a perdição do filho mais velho é tão perigosa. Quando você sabe que está doente, procura um médico; mas se não sabe que está, você não procura. Simplesmente morre.                    

E apenas quando enxergamos o desejo que temos de ser nosso próprio Senhor e Salvador - que se esconde sob nossos pecados e sob nossa bondade moral - que estaremos prestes a compreender o evangelho e, de fato, nos tornamos um cristão.  

A salvação é pela graça, mas não de graça. A misericórdia e o perdão devem ser gratuitos, e não merecidos, pelo transgressor. Se o transgressor tem de fazer algo para merecê-los, então não se trata de perdão. O perdão sempre tem um custo para a pessoa que o concede.


Nosso irmão mais velho, Jesus, assumiu e pagou nossa dívida, na cruz, em nosso lugar.                                                                                                                                                                                    
E, a despeito da crítica às instituições religiosas, evitá-las por estarem cheias de irmãos mais velhos não passa de outra forma e farisaísmo. Não há maneira de crescer espiritualmente que não esteja ligada a um profundo envolvimento com outros fiéis. As escrituras nos encorajam a sermos devotados uns aos outros, independentemente de qualquer instituição. Jesus deu a entender que sempre que duas ou três pessoas se reunirem em Seu nome Ele estará entre elas.                                                            
Hoje não precisamos mais ficar falando sobre a Igreja. Precisamos é de gente preparada para viver a realidade dela.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
"Igreja" é uma palavra que não identifica um local ou uma instituição. Ela descreve um povo e como os membros desse povo se relacionam uns com os outros. Quando se perde isso de vista, nossa compreensão da Igreja fica distorcida e deixamos de usufruir a alegria que ela pode nos dar. Assim, corremos o sério perigo de permanecer na casa do Pai, mas não necessariamente estar com Ele.

Mas, depois de compreendermos o verdadeiro amor de Deus e o trabalho de Jesus Cristo,  que possamos, por fim, dizer como C. S. Lewis:
"Eu creio no Cristianismo tal como creio que o Sol nasceu, não apenas porque o vejo mas porque através dele eu vejo todas as outras coisas."